Frei Rufin (primeira página)

Primeira Regra dos Irmãos Mineiros (1221)

 

PREFÁCIO

1 Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.
2 Esta é a vida do Evangelho de Jesus Cristo, que Frei Francisco pediu ao Senhor Papa Inocêncio lhe concedesse e aprovasse;
3 e o Senhor Papa lha concedeu e aprovou para ele e seus Irmãos presentes e vindouros.
4 Frei Francisco, e quem for superior desta Ordem, prometa obediência e filial respeito ao Senhor Papa Inocêncio e seus sucessores.
5 E todos os outros Irmãos sejam obrigados a obedecer a Frei Francisco e a seus sucessores.

CAPÍTULO I

QUE OS IRMÃOS VIVAM EM OBEDIÊNCIA SEM PROPRIEDADE E EM CASTIDADE

1 A Regra e a vida destes irmãos é esta: viver em obediência, em castidade e sem propriedade;
2 e seguir a doutrina e as pegadas de Nosso Senhor Jesus Cristo, que diz:
3 "Se queres ser perfeito, vai, vende tudo o que tens dá-o aos pobres e terás um tesouro nos céus, e vem e segue-me".
4 E: "Quem quiser vir após mim renuncie a si mesmo e tome a sua cruz e siga-me".
5 E ainda: "Se alguém quiser vir a mim e tiver mais amor ao pai e à Mãe, à mulher, aos filhos, aos irmãos, às irmãs e mesmo à própria vida, não pode ser meu discípulo".
6 E: “Todo aquele que deixar pai ou Mãe, irmãos ou irmãs, mulher ou filhos, casas e campos, por amor de mim receberá o cêntuplo e possuirá a vida eterna" (Mt 19 21; 16,24; Lc 14,26; Mt 19,29).

CAPÍTULO II

DA RECEPÇÃO E DAS VESTES DOS IRMÃOS

1 Se alguém, por inspiração divina, quiser abraçar esta vida e for ter com os nossos irmãos, esses o recebam carinhosamente.
2 E se estiver firmemente decidido a adotar nosso gênero de vida, os irmãos se abstenham cuidadosamente de interferir nos seus negócios temporais; mas apresentem-no quanto antes ao seu ministro.
3 0 ministro o receba carinhosamente, conforte-o e lhe explique diligentemente em que consiste o nosso gênero de vida.
4 Feito isto, e se o candidato resolver abraçar esta vida, venda tudo o que possui - na medida que puder fazê-lo espiritualmente sem impedimento - e procure distribuí-lo entre os pobres.
5 Mas os irmãos e os ministros dos irmãos abstenham-se de interferir de qualquer forma nesses negócios nem aceitem de modo algum dinheiro da parte dele, nem por si nem por pessoa intermediária;
6 porém, se os Irmãos sofrerem falta de outras coisas necessárias à vida, poderão aceitar, como outros pobres, alguma coisa para prover à necessidade imediata, exceto dinheiro.
7 E quando o candidato voltar, o ministro lhe conceda, para o prazo de um ano, as vestes de provação, a saber: duas túnicas sem capuz, cíngulo, calças e caparão, que vá até o cíngulo.
8 Findo o ano e o termo de provação, poder ser admitido à obediência.
9 Depois disso, não lhe ser lícito passar para uma outra Ordem nem "andar pelo mundo, fora da obediência", segundo a ordem do Senhor Papa.
10 Pois conforme o santo Evangelho, "ninguém que põe a mão no arado e olha para trás é apto para o reino de Deus" (Lc 9,62).
11 Se vier alguém que não possa distribuir os seus bens por estar impedido de fazê-lo, mas que tenha no espírito esta vontade, renuncie aos seus bens e isto lhe basta.
12 E ninguém seja admitido contra a forma e as prescrições da santa Igreja.
13 Os demais irmãos que já prometeram obediência usem uma só túnica com capuz e, sempre que necessário, outra sem capuz, o cíngulo e as calças.
14 Todos os irmãos usem roupa comum e, com a bênção de Deus, podem remendá-la com panos rudes e outros retalhos de fazenda.
15 Pois o Senhor diz no Evangelho: "Os que vestem roupas preciosas e vivem com luxo e trajam vestes delicadas encontram-se nos palácios dos reis" (Mt 11,8; Lc 7,25).
16 E mesmo que sejam chamados de hipócritas, os irmãos nunca deixem de agir direito;
17 nem desejem roupas caras neste século, a fim de poderem receber no reino dos céus as vestes da imortalidade e da glória.

CAPÍTULO III

DO OFÍCIO DIVINO E DO JEJUM

1 Diz o Senhor no Evangelho: "Esta espécie de espíritos malignos só pode ser expulsa pelo jejum e oração" (Mc 9,28). E ainda: "Quando jejuardes, não fiqueis tristes
2 E: "Vigiai e orai para não cairdes em tentação" (Mt 26,41). E: "Quando orardes, dizei: Pai nosso, etc." (Lc 11,2).
3 Por isso todos os irmãos, sejam clérigos ou leigos, recitem o ofício divino, as ações de graças e demais orações, como é de sua obrigação.
4 Os clérigos recitem o ofício divino e orem pelos vivos e defuntos segundo o costume vigente entre os clérigos da Igreja de Roma.
5 E pelas faltas e negligências dos irmãos rezem diariamente o Miserere mei, Deus (Sl 50) e o pai-nosso;
6 pelos Irmãos defuntos rezem o De profundis (Sl 129) com o Pai-Nosso.
7 E só poderão ter os livros indispensáveis para a recitação de seu ofício.
8 E os leigos que sabem ler o Saltério poderão tê-lo.
9 A todos os outros que não souberem ler não seja lícito ter um livro.
10 Os leigos devem rezar: o Creio-em-deus-pai e vinte e quatro Pai-nossos com o Glória-ao-pai, pelas Matinas; pelas Laudes, cinco; pela Prima, o Creio-em-deus-pai e sete Pai-nossos com o Glória-ao-pai; pela Terça, Sexta e Noa, a cada uma sete; pelas Vésperas, doze, pelas Completas, o Creio-em-deus-pai e sete Pai-nossos com o Glória-ao-pai;
11 pelos defuntos, sete Pai-nossos e o "Senhor, dai-lhes o descanso eterno";
12 e pelas faltas e negligências dos irmãos rezem diariamente três Pai-nossos.
13 E todos os irmãos jejuem desde a festa de Todos os Santos até a Natividade do Senhor e desde a Epifania, em que Nosso Senhor Jesus Cristo iniciou o seu jejum, até a Páscoa.
14 Em outras épocas não sejam obrigados ao jejum, segundo nosso gênero de vida, senão às sextas-feiras.
15 E, nos termos do santo Evangelho (cf. Lc 10,8), seja-lhes permitido comer de todas as comidas que lhes forem servidas.

CAPÍTULO IV

DOS MINISTROS E DOS DEMAIS IRMÃOS EM SUAS RELAÇÕES MÚTUAS

1 Em nome do Senhor! Todos os Irmãos que forem instituídos como ministros e servos dos demais Irmãos distribuam os irmãos pelas províncias e lugares onde se encontram. Visitem-nos assiduamente para exortá-los e confortá-los espiritualmente.
2 E todos os outros meus abençoados irmãos obedeçam conscienciosamente em tudo o que diz respeito ao bem de sua alma e não for contrário ao nosso gênero de vida.
3 E tratem-se mutuamente conforme a palavra do Senhor: "Tudo o que desejardes que os homens o façam a vós, fazei-o também a eles" (Mt 7,12).
4 E ainda: "Guarda-te de jamais fazer a outrem o que não quererias que te fosse feito" (Tb 4,16).
5 E os ministros e servos lembrem-se do que diz o Senhor: "Não vim para ser servido mas para servir" (Mt 20,28),
6 e que lhes foi confiado o cuidado pelas almas dos Irmãos. E se um destes se perder por culpa ou mau exemplo seu, terão de prestar contas no dia do juízo perante o Senhor Jesus Cristo.

CAPÍTULO V

DA CORREÇÃO DOS IRMÃOS QUE COMETEREM PECADO

1 Guardai pois as vossas almas e as dos vossos Irmãos, pois "terrível é cair nas mãos do Deus vivo" (Hb 10,31).
2 Se porém um dos ministros mandar a um irmão algo que for contrário ao nosso gênero de vida ou à sua alma, o Irmão não estar obrigado a obedecer-lhe.
3 Pois não haver obediência onde se cometer uma falta ou um pecado.
4 E mais, todos os Irmãos que forem súditos dos ministros e servos observem com diligente atenção o que fazem os ministros e servos.
5 E se acaso virem que um deles vive segundo a carne e não espiritualmente, conforme corresponde à retidão de nosso gênero de vida, tratem de adverti-lo por três vezes.
6 Se apesar disso não se emendar, deverão denunciá-lo, no capítulo de Pentecostes, ao ministro geral de toda a fraternidade, sem deixar-se intimidar por contradição alguma.
7 E se em alguma parte houver entre os irmãos um irmão que não queira viver espiritualmente mas segundo a carne, os irmãos seus companheiros o admoestem com humildade e prudência, o advirtam e repreendam.
8 E se após tríplice advertência ele se negar a emendar-se, levem-no quanto antes ao seu ministro e servo ou lho denunciem.
9 O ministro e servo lhe dê então o tratamento que melhor lhe pareça diante de Deus.
10 E todos os irmãos, tanto ministros e servos como os demais, cuidem de não perturbar-se ou enraivecer-se por causa do pecado ou mau exemplo de outrem, porque o diabo procura perder a muitos pelo pecado de um só.
11 Mas antes socorram, na medida do possível, espiritualmente, a quem tiver caído em pecado, porquanto "não são os sãos que precisam do médico, mas os enfermos (Mt 9,12).
12 Igualmente nenhum irmão exerça uma posição ou cargo de mando, e muito menos entre os próprios irmãos.
13 Pois, como diz o Senhor no Evangelho: "Os príncipes das nações as subjugam e os grandes imperam sobre elas" (Mt 20,25), assim não deve ser entre os irmãos, mas antes:
14 "Aquele que quiser ser o maior entre eles seja o ministro" (Mt 20,26-27) e servo deles, e
15 "quem for o maior entre eles faça-se o menor" (cf. Lc 22,26).
16 E nenhum irmão trate mal a um outro nem fale mal dele.
17 Antes sirvam e obedeçam de bom grado uns aos outros na caridade do Espírito.
18 E esta é a verdadeira e santa obediência de Nosso Senhor Jesus Cristo.
19 E todos os irmãos que se desviarem dos mandamentos do Senhor e andarem pelo mundo, fora da obediência, como diz o Profeta (Sl 118,21), saibam que fora da obediência ficam amaldiçoados enquanto, deliberadamente, estiverem em tal pecado.
20 Mas se perseverarem nos mandamentos do Senhor que prometeram segundo o santo Evangelho e o seu próprio gênero de vida, saibam que estarão na verdadeira obediência e serão abençoados pelo Senhor.

CAPÍTULO VI

QUE OS IRMÃOS PODEM RECORRER AOS SEUS MINISTROS E QUE NENHUM IRMÃO SEJA INTITULADO "PRIOR"

1 Os irmãos que vivem em determinados lugares e não podem observar o nosso gênero de vida recorram quanto antes ao seu ministro e lhe exponham a situação.
2 0 ministro procure atendê-los do modo como o desejaria para si, caso se encontrasse em situação parecida (cf. Mt 7,12).
3 E neste gênero de vida ninguém seja intitulado "prior" mas todos sejam designados indistintamente como "frades menores".
4 E um lave os pés ao outro!

CAPÍTULO VII

DO MODO DE SERVIR E DE TRABALHAR

1 Nenhum irmão, onde quer que esteja para servir ou trabalhar para outrem, jamais seja capataz, nem administrador, nem exerça cargo de direção na casa em que serve,
2 nem aceite emprego que possa causar escândalo ou "perder sua alma" (Mc 8,36).
3 Em vez disto sejam os menores e submissos a todos que moram na mesma casa.
4 E os irmãos que forem capazes de trabalhar, trabalhem; e exerçam a profissão que aprenderam, enquanto não prejudicar o bem de sua alma e eles puderem exercê-la honestamente.
5 Porquanto diz o Profeta: "Viverás do trabalho de tuas mãos: serás feliz e terás bem-estar" (Sl 127,2);
6 e o Apóstolo: "Quem não quer trabalhar não coma" (2Ts 3,10). "Cada qual permaneça naquele ofício e cargo para o qual foi chamado" (lCor 7,24). E como retribuição pelo trabalho podem aceitar todas as coisas de que precisam, exceto dinheiro.
7 E, se for necessário, podem pedir esmolas como outros pobres.
8 E podem ter as ferramentas necessárias ao seu ofício.
9 Todos os irmãos se esforcem seriamente em praticar boas obras, pois está escrito: sempre empenhado em praticar alguma boa obra, para que o diabo te encontre ocupado";
10 e ainda: "A ociosidade é inimiga da alma".
11 Por isso os servos de Deus devem estar sempre entregues à oração ou a qualquer outra boa obra.
12 Cuidem os irmãos, onde quer que estejam, nos eremitérios ou em outros lugares, de não apropriar-se de qualquer lugar nem disputá-lo a outrem.
13 E todo aquele que deles se acercar, seja amigo ou adversário, ladrão ou bandido, recebam-no com bondade.
14 E onde quer que estejam os irmãos, e sempre que se encontrarem em algum lugar, devem respeitar-se e honrar-se espiritual e diligentemente "uns aos outros, sem murmuração" ( lPd 4,9).
15 E guardem-se os irmãos de se mostrarem em seu exterior como tristes e sombrios hipócritas.
16 Mas antes, comportem-se como gente que se alegra no Senhor, satisfeitos e
amáveis, como convém.

CAPÍTULO VIII

QUE OS IRMÃOS NÃO RECEBAM DINHEIRO

1 O Senhor ordena no Evangelho: "Cuidai e guardai-vos de toda malícia e avareza" (Lc 12,15), e: "Afastai-vos das solicitudes deste século e dos cuidados desta vida" (Lc 21,34).
2 Por isso nenhum Irmão, onde quer que esteja e para onde quer que vá, nem sequer ajunte do chão, nem aceite ou faça aceitar dinheiro ou moedas,
3 nem para comprar roupa ou livros; numa palavra: em circunstância alguma, a não ser em caso de manifesta necessidade para os enfermos.
4 Pois do dinheiro ou de moedas não devemos ter nem esperar mais proveito que de pedras.
5 Aos que o cobiçam e apreciam mais do que pedras, o diabo procura obcecá-los.
6 Cuidemos pois, nós que tudo abandonamos (cf. Mt 19,27), que por tão pouco não percamos o reino dos céus.
7 E se em qualquer parte acharmos moedas, não lhes demos mais atenção que ao pó que estamos calcando com os pés, porque é "vaidade das vaidades, e tudo é vaidade" (Ecl 1,2).
8 E se mesmo assim acontecer - o que Deus não permita - que algum Irmão ajunte ou possua dinheiro ou moedas - salvo no caso da mencionada necessidade dos enfermos - todos nós irmãos consideremo-lo como falso irmão e como apóstata, como gatuno e ladrão, e mais, como aquele que carrega a bolsa, se não fizer sincera penitência.
9 E em circunstância alguma podem os irmãos aceitar ou fazer aceitar, coletar pessoalmente ou fazer coletar dinheiro ou esmolas em dinheiro ou moedas para alguma casa ou residência.
10 Nem acompanhem pessoas que para tais lugares vão coletar dinheiro ou moedas.
11 Porém, outros trabalhos que não contradigam nosso gênero de vida, podem os irmãos executá-los com a bênção de Deus.
12 Se, contudo, houver leprosos em situação de manifesta necessidade, podem os irmãos colher esmolas para eles.
13 Mas tomem muito cuidado com o dinheiro.
14 Igualmente evitem todos os irmãos de vaguearem pela terra atraídos por lucro vil.

CAPÍTULO IX

DA ESMOLA

1 Todos os Irmãos se esforcem por imitar a humildade e pobreza de Nosso Senhor Jesus Cristo.
2 E se recordem que do mundo inteiro nada mais precisamos do que, como diz o Apóstolo, "o necessário para nos alimentar e para nos cobrir, e queremos estar contentes com isso" (1Tm 6,8).
3 E devem estar satisfeitos quando estão no meio de gente comum e desprezada, de pobres e fracos, enfermos e leprosos e mendigos de rua.
4 E quando for preciso, que vão pedir esmola.
5 Nem se envergonhem disto, mas antes recordem que Nosso Senhor Jesus Cristo, o Filho do Deus vivo Todo-Poderoso, "enrijeceu sua face como pedra duríssima" (Is 50,7)
6 e não se envergonhou de se tornar para nós pobre e peregrino; e vivia de esmola, ele mais a bem-aventurada Virgem e seus discípulos.
7 E se os homens os tratarem com escárnio e não quiserem dar-lhes esmolas, rendam graças a Deus;
8 porque pela humilhação receberão grande honra diante do tribunal de Nosso Senhor Jesus Cristo.
9 E saibam que a humilhação não é imputada aos que a sofrem, mas aos que a infligem.
10 E a esmola é uma herança e um direito adquirido em favor dos pobres, que nos conquistou Nosso Senhor Jesus Cristo.
11 e os irmãos que se afadigarem em recolhê-la terão uma grande recompensa, proporcionando ainda aos que a oferecem, ocasião de lucrá-la e merecê-la.
12 Pois tudo o que os homens deixam para trás no mundo, perecerá, mas pela caridade e pela esmola que tiverem feito receberão do Senhor a justa recompensa (cf. Mt 6, 19s; Lc 16, 1-9).
13 E um manifeste ao outro com confiança as suas necessidades, para que este lhe arranje o necessário e lhe sirva.
14 E cada qual ame e alimente a seu irmão como a mãe ama e nutre a seu filho (cf. lTs 2,7); e o Senhor lhe dará sua graça.
15 E “aquele que come não despreze o que não come, e o que não come não julgue o que come” (Rm 14,3).
16 E sempre que lhes sobrevier a necessidade, seja lícito a todos os irmãos, onde quer que estejam, servir-se de todos os alimentos que um homem pode comer,
17 conforme o Senhor disse de Davi, que comeu “os pães da proposição, que não é lícito comer senão aos sacerdotes” (Mc 2,26).
18 E recordem o que diz o Senhor: “Estai atentos, para que não suceda se embotem os vossos corações pela crápula, pela embriaguez e pelas preocupações da vida, e não vos surpreenda inesperadamente o dia do juízo;
19 pois ele virá como um laço sobre todos os habitantes da terra” (Lc 21,34-35).
20 igual modo, em tempo de manifesta necessidade, procedam todos os irmãos com relação ao que lhes for necessário para a vida, conforme o Senhor lhes der sua graça, pois necessidade desconhece lei.

CAPÍTULO X

DOS IRMÃOS ENFERMOS

1 Se um dos irmãos cair doente, os outros irmãos o não abandonem, esteja onde for, sem designar um ou, se necessário, mais irmãos, para o servirem como gostariam de ser servidos. 2 Mas em caso de absoluta necessidade poderão encarregar uma pessoa de confiança para cuidar dele durante sua enfermidade.
3 E peço ao irmão enfermo que por tudo dê graças ao Criador,
4 e seu próprio desejo seja de ser assim como Deus quiser, são ou doente;
5 pois todos os que Deus predestinou para a vida eterna (cf. At 13,48), disciplina-os por estímulos de flagelos e enfermidades e pelo espírito de compunção,
6 conforme diz o Senhor: “Eu repreendo e corrijo todos os que amo” (Ap 3,19). Se, porém, um irmão enfermo ficar perturbado ou se exaltar contra Deus ou contra os irmãos, ou acaso exigir remédios com demasiada insistência para curar o corpo, que está fadado a morrer em breve é um inimigo da alma, isto lhe é inspirado pelo maligno; é um homem carnal; nem parece ser dos Irmãos,
8 amando mais o corpo que a alma.

CAPÍTULO XI

QUE OS IRMÃOS NÃO BLASFEMEM NEM SE CALUNIEM, MAS SE AMEM UNS AOS OUTROS

1 E guardem-se todos os irmãos de caluniar a alguém ou de "ocupar-se com discussões vãs" (2Tm 2,14), mas antes tratem de guardar silêncio, tanto quanto lhes conceder a graça de Deus.
2 Não devem também discutir entre si ou com outros, mas procurar responder humildemente, dizendo: "Somos uns servos inúteis" (Lc 17,10).
3 Não se irritem, pois "todo aquele que se irar contra seu irmão será réu de juízo, e o que lhe disser 'perverso' será réu perante o conselho; e quem o apelidar de 'louco' será réu do fogo do inferno" (Mt 5,22).
4 E amem-se uns aos outros conforme diz o Senhor: "Eis o meu mandamento: amai-vos uns aos outros como eu vos amei" (Jo 15,12).
5 E a caridade que se devem mutuamente "mostrem-na por obras" (Tg 2,18), segundo diz o Apóstolo: "Não amemos de palavra nem de língua, porém de obra e de verdade" (lJo 3,18).
6 "E não injuriem ninguém" (Tt 3,2), não murmurem, não caluniem a outros, por quanto está escrito: "os murmuradores e os caluniadores são odiados por Deus" (Rm 1,29).
7 Mas "sejam modestos e cheios de mansidão para com todos os homens" (Tt 3,2).
8 Não julguem; não condenem; e, como diz o Senhor, não reparem nos menores pecados dos outros (Mt 7,3), mas "com o coração amargurado" (Is 38,15) pensem antes nos seus.
9 E "esforcem-se por entrar pela porta estreita" (Lc 13,24), porque diz o Senhor:
10 "Quão estreita é a porta e apertado o caminho que leva à vida, e poucos São os que o encontram" (Mt 7,14).

CAPÍTULO XII

DA NECESSIDADE DE EVITAR OS MAUS OLHARES E A FREQUENTAÇÃO DE MULHERES

1 Onde quer que estiverem e aonde quer que forem, abstenham-se todos os irmãos de maus olhares e da frequentação de mulheres; e nenhum com elas se aconselhe ou ande sozinho com elas ou coma em companhia delas.
2 0s sacerdotes usem de reserva na conversa com elas ao lhes imporem a penitência ou ao darem algum conselho espiritual.
3 Nenhuma mulher preste voto de obediência a algum irmão, mas, recebido o conselho espiritual, faça ela a penitência onde quiser.
4 E acautelemo-nos todos nós e conservemos puros todos os nossos membros, pois diz o Senhor: "Todo homem que olha uma mulher desejando-a, já adulterou com ela em seu coração" (Mt 5,28).

CAPÍTULO XIII

DO CASTIGO DOS DESONESTOS

1 Se algum irmão, por instigação do demônio, cometer pecado de impureza, seja privado do hábito da Ordem, que ele já perdeu por sua torpe iniqüidade, e por isso o deponha definitivamente, e seja demitido de nossa Ordem.
2 E em seguida faça penitência de seus pecados (cf. lCor 5,4s).

CAPÍTULO XIV

COMO OS IRMÃOS DEVEM IR PELO MUNDO

1 Quando os irmãos andarem pelo mundo, nada levem consigo para a viagem, "nem bolsa, nem alforje, nem pão, nem dinheiro, nem bastão" (Lc 9,3).
2 E "ao entrarem numa casa, digam primeiro: A paz esteja nesta casa.
3 E, ficando nessa casa, comam e bebam do que aquela gente tiver" (Lc 10,5-7).
4 Não resistam ao malvado (cf. Mt 5,39), mas antes, se alguém lhes der numa face, apresentem-lhe também a outra;
5 e a quem lhes roubar o manto, não lhe neguem também a túnica.
6 Dêem a quem lhes pedir. Se alguém tirar o que é deles, não o reclamem (cf. Lc 6,29-30).

CAPÍTULO XV

QUE OS IRMÃOS NÃO CRIEM ANIMAIS NEM ANDEM A CAVALO

1 Ordeno a todos os meus irmãos, tanto clérigos como leigos, ao irem pelo mundo, ou morarem em lugar fixo, que de modo algum criem qualquer animal, nem junto a si mesmos, nem com outra pessoa, nem de qualquer outra forma.
2 Nem lhes seja lícito andar a cavalo, a não ser que se vejam obrigados por doença ou por grande necessidade.

CAPÍTULO XVI

DOS QUE QUISEREM IR PARA ENTRE OS SARRACENOS E OUTROS INFIÉIS

1 Diz o Senhor: "Eis que vos envio como ovelhas ao meio dos lobos;
2 sede pois prudentes como serpentes e simples como pombas" (Mt 10,16).
3 Se, pois, houver irmãos que quiserem ir para entre os sarracenos e outros inféis, que vão com a licença de seu ministro e servo.
4 Se o ministro reconhecer que eles são idôneos para serem mandados, dê-lhes a licença e não a recuse;
5 pois terá que dar contas ao Senhor (cf. Lc 16,2), se nisso ou em outras coisas agir sem a devida discrição.
6 E os irmãos que partirem poderão proceder de duas maneiras espiritualmente com os infiéis:
7 0 primeiro modo consiste em absterem-se de rixas e disputas, submetendo-se "a todos os homens por causa do Senhor" ( 1Pd 2,13 ) e confessando serem cristãos.
8 0 outro modo é anunciarem a palavra de Deus quando o julgarem agradável ao Senhor:
9 que creiam no Deus Todo-Poderoso, Pai, Filho e Espírito Santo, Criador de todas as coisas; no Filho, Redentor e Salvador;
10 e se façam batizar e se tornem cristãos, porquanto "quem não nascer da água e do Espírito Santo não pode entrar no reino dos céus" (Jo 3,5).
11 Estas e outras coisas agradáveis ao Senhor poderão dizer a estes e a outros;
12 pois diz o Senhor no Evangelho: "Todo aquele que me confessar diante dos homens, eu também o confessarei diante de meu Pai, que está nos céus" (Mt 10,32);
13 “quem se envergonhar de mim e de minhas palavras, dele se envergonhará o Filho do homem quando vier em sua glória, na glória do Pai e dos santos anjos” (Lc 9,26).
14 E todos os irmãos - onde quer que estejam - considerem que se entregaram ao Senhor Jesus Cristo e lhe deram direito sobre seus corpos. Por amor dele, devem expor-se aos inimigos, visíveis e invisíveis; pois diz o Senhor:
15 “Quem perder a sua vida por causa de mim, salvá-la-á” (Mc 8,35) para a vida eterna.
16 “Bem-aventurados os que sofrem perseguição por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus” (Mt 5,10).
17 “Se me perseguiram a mim, também perseguirão a vós” (Jo 15,20).
18 “Quando vos perseguirem numa cidade, fugi para outra” (Mt 10,23).
19 “Bem-aventurados sereis quando os homens vos odiarem, insultarem e perseguirem e vos expulsarem e escarnecerem e injuriarem vosso nome como réprobo e falsamente disserem contra vós todo gênero de mal por minha causa. Alegrai-vos e regozijai-vos naquele dia,
20 porque grande será a vossa recompensa no céu!” (Mt 5,11-12; Lc 6,22-23).
21 “A vós, meus amigos, advirto.
22 Não vos deixeis atemorizar por eles! Nem tenhais medo dos que matam o corpo, e nada mais podem fazer” (Mt 10,28). “Não vos perturbeis” (Mt 24,6), pois “por vossa paciência salvareis vossas almas” (Lc 21,19).
23 “O que perseverar até o fim, esse será salvo” (Mt 10,22).

CAPÍTULO XVII

DOS PREGADORES

1. Nenhum dos irmãos pregue contra a forma e a doutrina da santa Igreja nem sem a permissão de seu ministro.
2 O ministro, porém, tome cuidado de não a conceder indiscriminadamente.
3. No entanto, todos os irmãos podem pregar pelas obras.
4 E nenhum ministro ou pregador se arrogue o cargo de ministro dos irmãos ou o ofício da pregação como sua propriedade, mas à mesma hora que lhe for ordenado, deponha o seu cargo, sem nenhuma objeção.
5. Suplico por isso na caridade “que é o próprio Deus” (iJo 4,8), a todos os meus irmãos que pregam, oram ou trabalham, sejam clérigos ou leigos, que tratem de se humilhar em tudo,
6 nem se desvaneçam, nem sejam presunçosos, nem se envaideçam interiormente de belas palavras ou obras, enfim de nada do que Deus às vezes diz, faz e opera neles e por eles,
7 conforme diz o Senhor: “Mas não vos alegreis de que os espíritos se vos submetam” (Lc 10, 20).
8 E estejamos firmemente convencidos de que não temos coisa própria nossa senão os nossos vícios e pecados.
9 Antes nos devemos regozijar "quando cairmos em diversas provações" (Tg 1, 2) e sofrermos neste mundo na alma e no corpo toda sorte de angústias e tribulações, por causa da vida eterna.
10 Por isso vamos nós, irmãos todos, acautelar-nos de toda vanglória e soberba.
11 Guardemo-nos da sabedoria deste mundo e da prudência da carne.
12 Pois o espírito da carne tem grande interesse em fazer muito em palavras e pouco em obras, nem procura a piedade e santidade interior do espírito, mas antes visa e deseja uma piedade e santidade que apareça por fora diante dos homens.
13 E é de tais que diz o Senhor: "Em verdade vos digo, que esses já receberam sua recompensa" (Mt 6,2).
14 Porém o espírito do Senhor exige que a nossa carne seja mortificada e desprezada, vil, abjeta e desprezível;
15 e ele procura a humildade e a paciência e a pura, simples e verdadeira paz do espírito;
16 e acima de tudo deseja sempre o temor de Deus, a sabedoria de Deus e o divino amor do Pai, do Filho e do Espírito Santo.
17 Atribuamos ao Senhor Deus altíssimo todos os bens; reconheçamos que todos os bens lhe pertencem; demos-lhe graças por tudo, pois d’Ele procedem todos os bens.
18 E Ele, o altíssimo e soberano, o único e verdadeiro Deus, os possua como sua propriedade.
19 E a Ele se dêem, e Ele receba toda honra e reverência, todo louvor e exaltação, toda ação de graças e toda glória, Ele a quem pertence todo bem, e que "só Ele é bom" (Lc 18,19).
20 De nossa parte, quando vemos e ouvimos alguém amaldiçoar, abençoemos; fazer o mal, façamos o bem; blasfemar, louvemos o Senhor, que é bendito por toda a eternidade. Amém (cf. Rm 12,21).

CAPÍTULO XVIII

COMO SE DEVEM REUNIR OS MINISTROS

1 Todo ano pode cada ministro reunir-se com os seus irmãos, na festa de São Miguel Arcanjo, onde lhes aprouver, para tratar com eles das coisas que se referem a Deus.
2 Todos os ministros, porém, que residirem nos países ultramarinos e ultramontanos, compareçam uma vez em três anos, e os demais ministros uma vez por ano, na festa de Pentecostes, ao capítulo que se reúne junto à igreja de Santa Maria da Porciúncula,
3 a não ser que o ministro e servo de toda a fraternidade o determine de modo diferente.

CAPÍTULO XIX

QUE OS IRMÃOS VIVAM COMO CATÓLICOS

1 Todos os Irmãos sejam católicos, e vivam e falem como católicos.
2 Se porém um deles, por palavras ou por atos, se afastar da fé e da vida católica e não se quiser emendar, seja definitivamente expulso da nossa fraternidade.
3 Consideremos todos os clérigos e todos os religiosos como nossos senhores, no que concerne à salvação da alma e não se opuser à nossa Ordem,
4 e respeitemos no Senhor a sua ordenação, ofício e ministério.

CAPÍTULO XX

DA CONFISSÃO DOS IRMÃOS, E DA RECEPÇÃO DO CORPO E SANGUE DE NOSSO SENHOR JESUS CRISTO

1. Os meus abençoados irmãos, clérigos e leigos, confessem seus pecados aos sacerdotes da nossa Ordem.
2 Se não for possível, confessem-se a outros sacerdotes prudentes e católicos.
3. E saibam claramente e considerem que, tendo recebido de qualquer dos sacerdotes católicos penitência e absolvição, estão absolvidos, sem dúvida alguma, daqueles pecados,
4 se procurarem humilde e fielmente cumprir a penitência imposta.
5 Se porém não puderem encontrar um sacerdote, confessem-se a um dos irmãos, segundo diz o Apóstolo São Tiago: “Confessai-vos mutuamente as vossas faltas” (Tg 5,16).
6 Entretanto, não deixem por isso de recorrer aos sacerdotes, já que o poder de ligar e desligar só é concedido aos sacerdotes.
7 E assim contritos e confessados recebam o corpo e sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo, com grande humildade e respeito,
8 recordando que o próprio Senhor disse: “Quem come a minha carne e bebe o meu sangue possui a vida eterna” (Jo 6,55);
9 e: “Fazei isto em memória de mim” (Lc 22,19).

CAPÍTULO XXI

DAS PALAVRAS DE LOUVOR E EXORTAÇÃO QUE TODOS OS IRMÃOS PODEM FAZER

1.Todos os meus irmãos podem anunciar estas palavras de exortação e louvor, com a bênção de Deus, sempre que quiserem, a todos os homens:
2. Temei e honrai, louvai e bendizei, agradecei e adorai ao Senhor Deus onipotente, em sua Trindade e Unidade, o Pai, o Filho e o Espírito Santo, Criador do universo.
3. “Convertei-vos, fazei dignos frutos de conversão!” (Mt 3,2.8), pois sabei que em breve morrereis.
4. “Dai, e dar-se-vos-á. Perdoai, e sereis perdoados” (Lc 6,38.37).
5. “Porque se vós não perdoardes, também o Senhor não vos perdoará os vossos pecados” (Mc 11,26).
6. Confessai todos os vossos pecados (cf. Tg 5,16).
7 Bem-aventurados os que morrerem na penitência, porque estarão no reino dos céus.
8. Ai daqueles que não morrerem na penitência,
9. porque serão filhos do diabo, cujas obras fazem (cf. Jo 8,41), e irão para o fogo eterno.
10. Vigiai e preservai-vos de todo mal e perseverai no bem até o fim!

CAPÍTULO XXII

ADMOESTAÇÃO DOS IRMÃOS

1 Atendamos todos, Irmãos, ao que diz o Senhor: "Amai os vossos inimigos e fazei o bem a todos os que vos odeiam" (Mt 5,44).
2 Pois também Nosso Senhor Jesus Cristo, cujas pegadas devemos seguir (cf. 1Pd 2,21), chamou de "amigo" o seu traidor e se entregou de livre vontade aos que o crucificavam.
3 São, pois, nossos amigos todos aqueles que injustamente nos infligem tribulações e angústias, opróbrios e injustiças, dores e tormentos, martírio e morte.
4 A esses devemos amar muito, porquanto pelo mal que nos fazem teremos a vida eterna.
5 E odiemos o nosso corpo com os seus vícios e pecados, porque quer viver carnalmente e privar-nos assim do amor de Nosso Senhor Jesus Cristo e da vida eterna e consigo arrastar a todos para o inferno.
6 Pois por nossa própria culpa somos asquerosos, míseros e contrários ao bem, mas dispostos para o mal, porque,
7 como diz o Senhor no Evangelho: É do coração do homem que provêm maus pensamentos, adultérios, fornicação, homicídios, furtos, cobiças, maldades, fraudes, devassidão, maus olhares, falsos testemunhos, blasfêmias, orgulho, insensatez.
8 Todas estas maldades procedem do interior e mancham o homem" (Mc 7,21-23).
9 Por nossa vez, desde que abandonamos o mundo, outra coisa não temos a fazer senão empenhar-nos em seguir a vontade de Deus e agradar a Ele.
10 Tomemos muito cuidado em não sermos a terra do caminho ou pedregosa ou abafada pelos espinheiros! à qual se refere o Senhor no Evangelho:
11 "A semente é a palavra de Deus.
12 A que caiu sobre o caminho e foi pisada são os que escutam a palavra mas não a compreendem. E logo vem o diabo, arranca o que fora semeado nos seus corações e tira a palavra dos corações deles para que não creiam nem se salvem.
13 Porém, a que caiu sobre chão pedregoso são aqueles que imediatamente aceitam com alegria a palavra quando a escutam; mas sobrevindo tribulações e perseguições por causa da palavra, logo se escandalizam; não há raízes dentro deles e ficam inconstantes porque crêem durante algum tempo e quando vem a tentação voltam atrás.
14 Porém, a que caiu debaixo dos espinheiros são aqueles que escutam a palavra, contudo os cuidados e dificuldades deste século, o falaz fulgor das riquezas e demais concupiscências penetram e sufocam a palavra, que não pode produzir fruto.
15 Mas a que foi semeada em terra boa são os que escutam a palavra de coração muito bem disposto, a entendem, a conservam e produzem fruto com perseverança" (Mt 13,19-23).
16 Por isso, Irmãos, como diz o Senhor, deixemos "os mortos sepultar os seus mortos" (Mt 8, 22).
17 E muito nos acautelemos da malícia e sutilidade de Satanás, que não quer que o homem eleve o seu espírito e coração para o Senhor seu Deus.
18 Ele anda por aí e gostaria, sob as aparências duma recompensa ou vantagem, de atrair para o seu lado o coração do homem e sufocar-lhe na memória a palavra e os preceitos do Senhor; ele quer obcecar o coração do homem por meio das solicitudes e cuidados mundanos e nele habitar, segundo diz o Senhor:
19 "Quando o espírito impuro sai do homem, anda por lugares ridos, em busca de repouso; e não o encontrando, diz consigo: 'Voltarei à minha casa donde saí'.
20 E vindo encontra-a vazia, varrida e arrumada.
21 Então vai, toma consigo outros sete espíritos piores do que ele, e, entrando, habitam ali. Assim a última condição desse homem será pior do que a primeira" (Mt 12,43-45).
22 Por isso, Irmãos todos, vigiemo-nos muito a nós mesmos, a fim de não perdermos ou desviarmos do Senhor a nossa mente e nosso coração sob a aparência duma recompensa ou obra ou ajuda.
23 Mas na santa caridade que é Deus (cf. lJo 4,16), rogo a todos os irmãos, tanto os ministros como os outros, removam todos os obstáculos e rejeitem todos os cuidados e solicitudes, para, com o melhor de suas forças, servir, amar, adorar e honrar, de coração reto e mente pura, o Senhor nosso Deus, pois é isto o que ele deseja sem medida.
24 E preparemos-lhe sempre dentro de nossa uma morada permanente, a Ele que é o Senhor e Deus Todo-Poderoso, Pai, Filho e Espírito Santo,
25 que diz: "Vigiai, pois, em todo tempo e orai, para que possais evitar toda desgraça futura e comparecer perante o Filho do homem" (Lc 21,36).
26 E "quando vos puserdes em pé para orar" (Mc 11,25), dizei: "Pai nosso, que estais nos céus".
27 E adoremo-lo de coração puro, porquanto "é preciso orar em todo tempo e não desfalecer" (Lc 18,1), "pois tais são os adoradores que o Pai procura.
28 Deus é espírito, e os que o adoram devem adorá-lo em espírito e verdade" (Jo 4, 23-24).
29 E a Ele queremos recorrer como "ao pastor e guarda de nossas almas" (1Pd 2,25), que diz:
30 "Eu sou o bom pastor e apascento minhas ovelhas" (Jo 10,11) e "dou a própria vida por minhas ovelhas" (Jo 10,15).
31 "Todos vós sois irmãos; nem vos façais chamar de 'pai' sobre a terra, porque um só é vosso Pai, aquele que está nos céus.
32 Nem vos façais chamar de 'mestre', porque um só é vosso Mestre, que está nos céus. Cristo (Mt 23, 8-10).
33 "Se permanecerdes em mim e minhas palavras permanecerem em vós, pedi o que quiserdes, e ser-vos-á dado" (Jo 15,7).
34 "Onde dois ou três estão congregados em meu nome, ali estou eu no meio deles" (Mt 18,20).
35 "Eis que eu estou convosco todos os dias até a consumação do mundo" (Mt 28,20).
36 "As palavras que eu vos tenho falado são espírito e vida" (Jo 6,63).
37 "Eu sou o caminho, a verdade e a vida" (Jo 14,6).
38 Guardemos, pois, as palavras, a vida, a doutrina e o santo Evangelho daquele que se dignou pedir a seu Pai por nós e nos manifestou o seu nome, dizendo:
39 "Pai, manifestei teu nome aos homens que me deste (Jo 17, 6), porque eu lhes comuniquei as palavras que me deste, e eles as receberam, e conheceram verdadeiramente que eu saí de ti, e creram que me enviaste.
40 Rogo por eles; não rogo pelo mundo, mas pelos que me deste: porque são teus, e tudo o que é meu é teu (Jo 17, 8-10).
41 Pai santo, guarda os que me deste, em teu nome, para que sejam um como nós (Jo 17,11).
42 E falo estas coisas no mundo para que eles tenham minha alegria completa em si mesmos.
43 Dei-lhes a tua palavra, e o mundo os odiou porque eles não são do mundo, como nem eu sou do mundo.
44 Não peço que os tires do mundo, mas que os guardes do mal.
45 Santifica-os na verdade, pois a tua palavra é a verdade.
46 Assim como tu me enviaste ao mundo, assim também eu os enviei ao mundo;
47 e por eles me santifico, para que eles sejam deveras santificados.
48 Não peço só por eles, mas também por aqueles que por sua palavra hão de crer em mim (Jo 17,13-20), para que sejam consumados na unidade, e o mundo conheça que tu me enviaste, e amaste a estes como me amaste a mim;
49 quero dar-lhes a conhecer o teu nome, para que o amor com que me amaste esteja neles, e eu neles (Jo 17, 26).
50 Pai, os que me deste, quero que, onde eu estiver, eles também estejam comigo, para que vejam tua glória no teu reino" (Jo 17,24).

CAPÍTULO XXIII

ORAÇÃO, LOUVOR E AÇÃO DE GRAÇAS

1 Onipotente, altíssimo, santíssimo e sumo Deus, Pai santo e justo, Senhor e Rei dos céus e da terra, damo-vos graças por causa de vós mesmo,
2 porque por vossa santa vontade e pelo vosso único Filho, criastes no Espírito Santo todos os seres espirituais e corporais,
3 nos fizestes à vossa imagem e semelhança e nos colocastes no paraíso -
4 e nós caímos por nossa culpa.
5 E rendemo-vos graças porque, se por vosso Filho nos criastes, pelo mesmo verdadeiro e santo amor com que nos amastes o fizestes nascer como verdadeiro Deus e verdadeiro homem, da gloriosa, beatíssima, santa e sempre Virgem Maria,
6 e quisestes que nós cativos fôssemos remidos por sua cruenta morte na cruz.
7 E damo-vos graças porque o mesmo vosso Filho há de voltar na glória de sua majestade para lançar ao fogo eterno os malditos que não quiseram fazer penitência e não vos reconheceram,
8 e dizer a todos os que vos reconheceram e adoraram e vos serviram em penitência: "Vinde, benditos de meu Pai, tomai posse do reino preparado para vós desde a criação do mundo” (Mt 25,34).
9 E porque todos nós, miseráveis pecadores, não somos dignos nem sequer de pronunciar o vosso nome, suplicantes vos pedimos
10 que Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso dileto Filho, em quem tendes vossa complacência (Mt 17,5), vos renda graças, juntamente com o Espírito Santo Paráclito, por tudo, conforme agradar a vós e a eles.
11 Pois é Ele quem vos satisfaz por tudo, e por intermédio dele nos cumulastes de tantos bens. Aleluia.
12 E pedimos humildemente à gloriosa, beatíssima e sempre Virgem Mãe Maria, a São Miguel, São Gabriel, São Rafael e a todos os coros dos bem-aventurados espíritos, aos serafins, querubins, tronos, dominações, principados e potestades, virtudes, anjos, arcanjos,
13 a São João Batista, a São João Evangelista, a São Pedro, a São Paulo, aos santos patriarcas, profetas, inocentes, apóstolos, evangelistas, discípulos, mártires, confessores, virgens,
14 aos beatos Elias e Enoc e todos os santos que houve, haverá e há no momento -
15 que, na medida de suas forças, vos rendam graças por tudo isto, a vós, o sumo Deus verdadeiro, eterno e vivo, com vosso Filho caríssimo Nosso Senhor Jesus Cristo e o Espírito Santo Paráclito por toda a eternidade. Amém.
16 E a todos aqueles que querem servir ao Senhor na santa Igreja Católica e apostólica;
17 a todas as ordens eclesiásticas, aos presbíteros, diáconos, subdiáconos, acólitos, exorcistas, leitores, ostiários e demais clérigos,
18 todos os religiosos e todas as religiosas,
19 todos os jovens e crianças, os pobres e necessitados, os reis e príncipes, os operários, lavradores, servos e senhores
20 todas as virgens, as solteiras e as casadas, os leigos, homens e mulheres, todas as crianças, os adolescentes,
21 os jovens e os anciãos, os sãos e os enfermos, os pequenos e os grandes,
22 e todos os povos, gentes, tribos e línguas, todas as nações e todos os homens em toda a face da terra, os que houve e os que haverá, humildemente rogamos e suplicamos nós todos, os frades menores, nós servos inúteis (Lc 17,10), que perseveremos todos na verdadeira fé e penitência, porque de outra forma ninguém poderá salvar-se.
23 Amemos todos, de todo o coração, com toda a alma, com todo o espírito, com toda nossa capacidade e força, com todas as virtudes do espírito e do corpo (Dt 6,5), com todo empenho, todo afeto, todas as entranhas, todos os desejos e vontades – o Senhor nosso Deus,
24 que nos deu e nos dá a todos nós, todo o nosso corpo, toda a nossa alma e toda a nossa vida,
25 que nos criou e nos remiu e só por sua misericórdia nos salvará,
26 que a nós miseráveis e pobres, pútridos e asquerosos, ingratos e maus, nos cumulou e cumula de todos os bens.
27 Outra coisa não desejemos, nem queiramos, nem nos agrade, nem nos alegre senão o nosso Criador e Redentor e Salvador, o único e verdadeiro Deus,
28 que é o bem pleno, o bem todo, o bem inteiro, o sumo e verdadeiro bem,
29 que só Ele é bom (cf. Lc 18,19), carinhoso e meigo, suave e doce, que só Ele é santo, justo, verdadeiro e reto, só Ele benigno, inocente e puro;
30 dele, por ele e nele é todo perdão, toda graça, toda glória de todos os penitentes e justos, de todos os santos que se alegram juntos no céu.
31 Nada, pois, nos impeça, nos separe, se nos interponha.
32 Em toda parte, em qualquer lugar, a toda hora e tempo, diária e continuamente, creiamos sincera e humildemente, retenhamos no coração e amemos, sirvamos, louvemos e bendigamos, glorifiquemos e sobreexaltemos, magnifiquemos e rendamos graças ao altíssimo e sumo Deus eterno,
33 trino e uno, Pai, Filho e Espírito Santo, Criador de tudo o que existe, Salvador dos que nele crêem e esperam e o amam,
34 que não teve princípio nem ter fim, imutável, invisível, inenarrável, inefável, incompreensível, imperscrutável, bendito, louvável, glorioso, sobreexaltado, sublime, excelso, suave, amável, cheio de delícias e sempre inteiramente desejável acima de todas as coisas por toda a eternidade.
35 Em nome do Senhor rogo a todos os irmãos que aprendam bem o teor e sentido do que está escrito nesta regra de vida a bem da salvação de nossa alma e
36 E imploro a Deus que Ele, que é Todo-Poderoso, trino e uno, abençoe a todos os que isto ensinarem, aprenderem, guardarem, recordarem e praticarem, todas as vezes que repetirem e exercerem o que aí está escrito para nossa salvação.
37 E beijando-lhes os pés a todos suplico que amem, protejam e guardem esta regra de vida. E da parte do Deus Todo-Poderoso e do Senhor Papa e sob obediência, eu, Frei Francisco, preceituo firmemente e ordeno que ninguém diminua nada do que está escrito nesta regra de vida nem lhe acrescente alguma coisa, e que os Irmãos não tenham outra regra.
38 Glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo. Assim como era no princípio, agora e sempre e por todos os séculos dos séculos. Amém.

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Realizado por www.pbdi.fr Ilustrado por Laurent Bidot Tradução : Nathalie Tomaz